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Documentação Pedagógica, por quê e para quê?

Documentação Pedagógica, por quê e para quê?

Segundo Lella Gandini (2017) a escola é uma oficina e um laboratório onde se constrói conhecimento continuamente – não de maneira linear ou progressiva, mas dinâmica, ativa e frequentemente social. Dialogando com as premissas de Reggio Emília, com base nas observações das crianças em espaços de liberdade, notamos que elas fazem, diariamente, descobertas e invenções nos espaços da escola, dentro ou fora. Quando este está esteticamente organizado, os movimentos e deslocamentos se tornam naturais, assim como o engajamento coletivo se torna evidente, o que favorece o vínculo, o bem-estar e a harmonia do ambiente. Percebemos que a forma criativa como são organizados os espaços, por parte dos educadores, dispondo materiais e promovendo possibilidade de mudança contínua pelas crianças, oportunizam progressivas aprendizagens sobre si e o mundo, sobre os fenômenos, os materiais  e as  materialidades.. 

O interesse das crianças pelos sons, imagens, objetos, cores, texturas e miniaturas, como diria Gandhi Piorski, (2016), é um desejo de se intimar com a vida. Um intimar para conhecer, pertencer, fazer parte, estar junto daquilo que a constitui como pessoa. Sendo assim, as formas materiais surgem para a criança como fenômeno vivo, um SER. 

Nos últimos anos, refletindo sobre o cotidiano e as propostas realizadas pelos professores nas escolas de infância, a partir do trabalho realizado de formação em contexto no Rio de Janeiro, ainda observamos dificuldade de uma prática dialógica onde o lugar das crianças seja de protagonismo nos projetos. Através da documentação pedagógica seja ela em fotografias, relatos de observação ou filmagens temos constatado que, mesmo com um planejamento impositivo, as crianças subvertem e abrem espaço para as suas manifestações valorizando os relacionamentos, incorporando no seu fazer o desafio de: escutar e considerar a presença do outro, fortalecendo assim sua percepção de si e a construção de sua identidade, compreendendo, simultaneamente, a diversidade que a vida em grupo promove. 

O grande desafio dos espaços de educação para infância está em respeitar o ritmo de cada criança como indivíduo. “O brincar para a criança não é apenas um entretenimento, que equivale ao ócio do adulto, mas corresponde a sua atividade principal.  Brincando a criança conhece o mundo e se apropria dele” (SOARES 2017). 

Documentação pedagógica

Para os italianos, a documentação pedagógica se apresenta como possibilidade de democratizar o acesso a todos da comunidade escolar aos processos de aprendizagem e investigação das crianças, além de dar ao educador a oportunidade de reavaliar o seu trabalho com base na escuta infantil. Tal alternativa oferece aos professores uma chance de romper com os discursos dominantes em torno das relações na Educação Infantil e de ver além dos alcances cognitivos que a criança faz ou não no momento que está na escola. Assim como Dahlberg (2016) propõe : …a documentação pedagógica é o processo de tornar o trabalho pedagógico (ou outro) visível ao diálogo, interpretação, contestação e transformação. Ela incorpora os valores da subjetividade- de que não existe ponto de vista objetivo que torne a observação neutra.( p.229).

Esse ponto de vista sugerido pela documentação Reggiana implica num movimento de auto educação, de observação não só das crianças e do espaço escolar, mas de um olhar para nossa própria atitude, de evocar nossas emoções e perceber de que forma, no cotidiano, entramos em contato com a criança que fomos, com concepções cristalizadas dentro de nós e como isso atravessa nosso lidar com os bebês e as crianças.

Como, para além da existência da criança, nos colocarmos numa posição de estranhamento e pertencimento? Como dar a ela o lugar da busca de sentido, e não apenas o da incompletude? Como assumir com ela o lugar provisório que o conhecimento comporta, mas ao mesmo tempo validar seus achados e percursos? 

De todo modo, muitos são os desafios na hora de transformar toda essa reflexão em ação. Pois, no equilíbrio entre as demandas físicas e emocionais que envolvem o ato de educar, documentar e estar presente de forma íntegra, é optar por estar o tempo todo duvidando de nossas certezas e desconstruindo nossos paradigmas. Paradigmas que foram enraizados ao longo da nossa trajetória de formação e que necessitam de escuta, autoconhecimento e maturidade para serem reconstruídos e ressignificados. Documentar é espantar-se com o vivido, é dar espaço para o encantamento do que não foi por nós pensado ou planejado, é acolher a potência da criança e sua ingerência na rotina e nas teorias que entremeiam nosso olhar. Na dimensão alteritária sugerida por Bakhtin, temos a chance de ver além do nosso ponto de vista, ampliar as margens do conhecido e autorizar que esse conhecimento nos modifique e sensibilize nosso estar no mundo.

Paulo Freire nos convida a pensar que educar é um ato político, gosto de pensar que documentar o inédito e vivido, num contexto pedagógico é marcar posicionamento sobre valores e concepções. 

Cada lugar, tempo e espaço tem suas necessidades e desafios sociais, políticos e históricos. Portanto, não podemos falar de documentação pedagógica sem falar de história, de concepção de infância, de imagem de criança, de culturas, diversidades e de memórias. Somos plurais. 

Reggio Emilia nos inspira, mas é no chão brasileiro, na nossa cultura e na nossa história é que vamos encontrar caminhos para uma prática pedagógica democrática e libertadora. A documentação pedagógica pode ser um dos instrumentos que nos apoiam na militância pelos direitos das crianças, pois para nós, antes de nos ajudar a VER, a documentação pedagógica nos ajuda a SER.

Esta semana, compartilharemos com vocês três relatos de observação em campo, realizado em 2019.1, antes da Pandemia,  que foi ponto de partida para o trabalho realizado na formação em contexto, de educadores no Rio de Janeiro, por Dani Mello, em uma escola de educação infantil.

Nosso intuito é compartilhar os desafios do lugar de professor pesquisador, que precisa ter a postura de “olhar, ouvir e escrever”, reverenciados no trabalho do antropólogo Oliveira (1998),  para pensarmos uma formação continuada reflexiva, pautada no chão da escola, que considera “ o excedente de visão”, a memória e o movimento dialógico de reconhecer e estranhar o familiar (conceito de exotopia BAKTHIN, 1992, 2003), premissas básicas para trazer visíveis as culturas da infância à comunidade como fator de mudança social e política.

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