Como promover aos educadores um olhar sensível para uma escuta visível? “O ato de ver não é coisa natural, precisa ser aprendido” (ALVES, 2014).
Como promover aos educadores um olhar sensível para uma escuta visível? “O ato de ver não é coisa natural, precisa ser aprendido” (ALVES, 2014).
Como promover aos educadores um olhar sensível para uma escuta visível? “O ato de ver não é coisa natural, precisa ser aprendido” (ALVES, 2014). Rubem Alves afirma que ver é muito complicado, há pessoas de visão perfeita que nada veem. Segundo ele, para se ver há de se ter olhos de poeta. No entanto, fomos educados para ver o mundo de forma pragmática, o que implica cegueira. A pressa cotidiana e a vida contemporânea, nos impõem uma visão estereotipada e imediatista, colocando nossa visão na função do fazer, empobrecendo a qualidade das relações humanas e suas culturas. Esse empobrecimento de relação e a cegueira cotidiana nos impede de praticarmos uma escuta visível (VECCHI, 2017), de olharmos o mundo com olhos de poeta.
Se quisermos romper esse círculo vicioso, é necessário que nós, adultos, e, em particular, aqueles de nós responsáveis profissionalmente pelos processos educativo e didático, detenham-se um momento para observar as crianças, tentando entender para quais direções elas escolhem canalizar suas energias, o seu desejo de conhecer, a sua vontade de colocar-se a prova (NIGRIS, 2018, p.138).
“Para se ter olhos de poeta há de se deixar guiar pelos olhos contemplativos das crianças, há de tê-las como nossas guias” (ALVES, 2014) há de se ter coragem. Segundo o dicionário etimológico, a palavra coragem tem sua origem no latim, coraticum e possui o mesmo significado: COR que significa coração e o sufixo ACTIUM que é utilizado para indicar uma ação referente ao radical anterior. CORATICUM seria, literalmente, a ação do coração, isto porque acreditava-se que era nesse órgão que a coragem se alocava.
Walter Benjamin aponta a força das palavras e das narrativas como gênero e conceito baseado na experiência coletiva e na memória. “Benjamin toma seriamente a infância como um espaço de experiência, mas como um espaço primeiramente construído pelo adulto; a elaboração e a lembrança não são separáveis” (BOCK, 2011, p.125). Baseado nessas premissas, refletimos sobre a necessidade de uma formação de professores pautada na educação estética, atravessados pela arte. A arte nos desloca do comum. Ela amplia nossa visão do mundo e sobre o mundo, permitindo olhar devagar, colocando reparo nas simplicidades do dia a dia. O processo de sensibilização do educador começa por uma formação estética e artística pautada na memória do tempo infância. Ao abrirmos nossa lente interna exercitamos ver com o coração. Segundo os zen-budismo, praticarmos o “satori”, a “abertura do terceiro olho”. Dessa forma criamos coragem para romper com esse modelo autoritário e cristalizado e nos permitimos ver o mundo pelos olhos infantis, reaprendendo aos poucos a olhar devagar e com reparo para as “miudezas e as coisas desimportantes” (BARROS, 2008).
A arte nos revela experiência sensitiva e nos incita inspiração criativa. Para Nietzsche (NIETZSCHE apudALVES, 2004) a primeira tarefa da educação deveria ser ensinar a ver. Segundo Nigris (2018), para ver precisamos reaprender a sentir, a nos permitir reencontrar uma admiração antiga pelas coisas de todo dia. Para Madalena Freire (2008) a observação é a ferramenta básica neste aprendizado de construção do olhar sensível e pensante, olhar que envolve atenção e presença.
Ao falarmos de formação de professores, também estamos falando de processo, continuidade e experiência, pois se faz necessário resgatar as memórias do professor, especialmente as da infância, para que ele possa reconhecer através de suas lembranças os significados de suas vivências e escolhas. Partindo desse ponto, ao tomarmos contato com nossas memórias, percebemos que, na maioria das vezes, as vivências da infância influenciam na postura que tomamos às experiências das crianças, especialmente em relação ao brincar livre nos espaços de liberdade e natureza. Se conseguirmos acessar nossas memórias de infância, abrimos nossa lente interna e começamos a olhar as coisas com o coração.
Nesse sentido cabe refletir sobre o papel do educador na escola e da escola com o educador: papel que deveria ser de oportunizar encontros e descobertas, de observar e contemplar juntos, o vento, a chuva, o canto de um pássaro, o inusitado, que valorize o lúdico, o simbólico que desenvolva o talento brincante adormecido na visão pragmática cotidiana. Que proponha viver do lado de fora, nos reconectando com a natureza, matriz da vida para que este no seu fazer “seja cada vez menos controlador e cada vez mais observador” (BARROS, 2018, p.57)
Para nos movermos nessa direção, é indispensável superar a dualidade corpo-mente, a dicotomia entre o tempo do fazer e o tempo do pensar, que caracteriza os velhos esquemas de pensamento segundo os quais as emoções e os afetos representam unicamente um obstáculo à aprendizagem” (NIGRIS, 2018, p.140).
Desta forma, uma prática pedagógica de democrática e em participação requer disponibilidade e tempo de relação. O educador é aquele que sustenta, com presença as pesquisas das crianças permitindo que ela seja, aguçando o desejo da descoberta de si e do mundo. Desejo de se intimar com as coisas, de conhecer, de pesquisar. É aquele que escuta, observa e acompanha, atentamente o percurso que a criança faz “facilitando-lhe as ocasiões de encontro com o outro” (RIMONDI, 2003, p.39). Vale ressaltar que para o exercício dessa prática, se faz necessário despir-se da visão estereotipada de infância e de criança, para que possamos ver e escutar o real e não o que temos na nossa imaginação ou apenas o que sabemos. Precisamos estar abertos para ver e ouvir o outro, no que a criança é, partindo de suas hipóteses e do seu pensar. Também ressaltamos que a documentação pedagógica se torna uma ferramenta de trabalho importante para que os educadores possam rever suas condutas e práticas cotidianas. Aprender a ver com o coração implica disponibilidade para o outro e reconhecer que educação se faz no coletivo, na troca, no grupo. Educação é antes de tudo relação.
Observar as práticas dos educadores, compartilhar com eles as observações descritas, sejam estas escritas, fotografadas e/ou filmadas, deveriam ser estratégias da formação continuada de professores. As trocas de visão entre os educadores, nas reuniões de formação, uma vez por semana e o exercício de dialogar com a teoria, atravessados pela nutrição estética, a natureza e a arte, colaboram para uma formação mais inteira e uma mudança de comportamento de todos os atores da escola, na vida, nas ações cotidianas e nas interações com as crianças e adultos. “Ver e escutar fazem parte do processo de construção desse olhar” (FREIRE, 2008, p.45).
Nessa perspectiva, a formação continuada de professores precisa ser desenhada sobre algumas questões: autobiografia e memória, currículo, o brincar livre em espaços de natureza, a ocupação do espaço público, a educação estética, a alteridade da infância, o cotidiano que promovemos as nossas crianças, a nossa concepção de sociedade, as crianças como produtoras de culturas e o estreitamento de laços entre família, escola e comunidade.
Vale ressaltar que não se trata de uma receita ou solução, longe disso, se trata de uma busca por uma vida mais inteira, ética e sensível, que respeite toda a forma de ser e estar no mundo, do micro ao macro, de uma prática estética/reflexiva sobre nosso papel na sociedade e sobre a nossa responsabilidade social-política-educacional em relação aos direitos das crianças e de todos como sujeitos.
Sigamos juntos nesse caminho.