A arte de pausar: brechas estéticas para formar professores

Na correria da vida contemporânea, pausar se tornou um gesto radical.

Formar educadores e atelieristas, antes de tudo, é criar espaço para sentir, escutar e reencantar-se com o cotidiano.

Mas é justamente nessa pausa — feita de silêncio, presença e pequenas alegrias — que começamos a escutar o que realmente importa. Este texto é um convite: abrir brechas no tempo, cultivar encantamento e lembrar que todo processo formativo começa com um simples gesto de atenção. Que tal agora?

Na correria da vida contemporânea, pausar se tornou um gesto radical.

No excesso de demandas e na intensidade dos dias, muitas vezes nos sentimos sufocados, impotentes, sem fôlego e sem esperança. Mesmo conscientes da importância do tempo de pausa, é comum que, nos fins de semana ou durante as férias, nossa agenda se encha de tarefas deixadas para depois: consultas médicas, compromissos familiares, passeios desejados que, ao invés de restaurar, apenas prolongam o ritmo acelerado em outra frequência — ativa, exaustiva, ininterrupta.

Falar da importância das pausas é, portanto, falar da possibilidade de um tempo outro: um tempo ocioso como convite à solitude. Uma solitude que não é solidão, mas oportunidade de escuta. E não qualquer escuta — mas aquela que começa dentro, no intervalo entre um pensamento e outro, no silêncio que nos permite perceber o que sentimos, desejamos, precisamos.

Muitas vezes culpamos a era digital por esse afastamento de nós mesmos — os celulares, as redes, os algoritmos. Mas talvez a questão não seja apenas o excesso de conexão, e sim a dificuldade de sustentar o vazio. Estamos, por vezes, reféns de um entretenimento constante que ocupa todos os nossos silêncios e anestesia nossos sentidos.

Sim, viajar, mudar de cidade, tirar férias… tudo isso pode ser potente.

Mas não é garantia de pausa verdadeira. Às vezes, um gesto simples — como abrir uma gaveta esquecida e reencontrar uma caixa de fotografias — nos leva a uma viagem mais profunda do que qualquer destino distante. Uma viagem interior, significativa, reveladora.

E é nesse mergulho que as perguntas começam a ecoar: Quem somos? Quais sonhos ainda carregamos? Quais inquietações nos assombram? Que vida cotidiana desejamos cultivar?

Inspirada pelo livro 12 coisinhas à toa que deixam a gente feliz, de Ruth Rocha, proponho um convite simples e poderoso: e se começássemos por nós? E se, antes de pensar no planejamento, no currículo e nas metas, voltássemos o olhar para o nosso próprio cotidiano? Que pequenas mudanças poderiam trazer mais leveza, presença e alegria para os nossos dias?

Precisamos também cuidar do tempo suspenso

Como nos lembra Severino Antônio, não existe pedagogia ou didática que separe o educador da pessoa que ele é. Somos sujeitos de afetos, histórias, contradições. Se queremos uma escola que eduque para a criatividade, que respeite o tempo da infância, que reconheça o valor das “coisas desimportantes” — como tão poeticamente disse Manoel de Barros — então precisamos também cuidar do tempo suspenso.

Sim, o tempo suspenso — aquele que não tem finalidade produtiva — é essencial. Porque é nele que nos reencontramos com o que somos. Quando nos escutamos de verdade, somos capazes de nomear sensações, acolher dores, reencontrar propósitos. E, quem sabe, sermos mais felizes.

Se desejamos professores sensíveis, curiosos e criativos — capazes de lidar com os desafios do século XXI — precisamos apostar numa formação estética. Uma formação que se faça com arte, beleza e presença. Porque a arte nos desloca, nos tira do lugar comum e nos convida a olhar de novo, a sentir de novo, a lembrar do que havíamos esquecido. Ela abre fendas para que o sensível, adormecido pela dureza da rotina, possa respirar.

Mas esse processo não se faz sozinho, nem apressadamente.

É preciso ambiente estético, tempo de escuta, espaços seguros onde o educador possa se expressar, se emocionar, se perguntar. Assim como acolhemos os gestos e as descobertas dos bebês e das crianças, também precisamos acolher as manifestações — muitas vezes silenciosas ou não verbalizadas — dos adultos que educam.

Não se trata de seguir uma receita pronta, mas de construir um caminho com intenção formativa, que dê sustentação a uma trajetória coletiva. Um caminho para deixar morrer o professor autoritário e controlador e permitir o nascimento — ou renascimento — do educador democrático, criativo, competente e autoral.

E esse caminho, como nos lembra Mônica Guerra, se faz lado a lado.

Nem à frente, nem atrás — mas ao lado. A boa notícia é que, na escola, podemos sempre recomeçar. A cada dia, a cada semana, a cada semestre, a cada ano.

E se começássemos agora?