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Caminhos para a Documentação Pedagógica

Qual o ETHOS das pedagogias participativas e os possíveis caminhos para a desconstrução de uma prática simplista ainda enraizada em nós que, muitas vezes, distancia a teoria da prática pedagógica? Segundo Oliveira-Formosinho e Pascal, o ETHOS das pedagogias participativas é: observar, ouvir e responder às crianças.  No entanto, responder às crianças não significa trazer respostas prontas. Responder às crianças, dentro de uma prática democrática e em participação é A(COLHER). Acolher como verbo ativo, na presença, no olhar, no gesto, na subjetividade e diversidade . Acolher também no sentido de preparar espaços e materiais que despertem a curiosidade e proporcione interatividade, pesquisa, investigação, relação e movimentos que nos ajudam a coletar indícios de aprendizagens. Indícios que nos fazem refletir, negociar sentido e nos orientam a planejar novos contextos para que estes possam ampliar e sustentar as pesquisas das crianças sobre si e o mundo.

Responder às crianças nesse sentido é aceitar que as teorias são provisórias e que as boas perguntas não têm uma única resposta. Responder às crianças é estar ao seu lado na busca pelo sentido da vida, é acreditar no sonho. É ser um professor do maravilhamento como nos aponta Loris Malaguzzi.

Devemos nos perguntar: Educamos para quê? Devemos lembrar que o cotidiano que promovemos às nossas crianças reflete nossa concepção de infância e nosso desejo de sociedade.

A documentação pedagógica como processo de tornar o trabalho pedagógico (ou outro) visível ao diálogo, transformação e constatação se torna instrumento essencial para uma prática pedagógica participativa. Por isso, a documentação pedagógica antes de nos ajudar a ver, nos ajuda a SER professor.

Por se tratar de um instrumento vivo, não existe receita para construir uma documentação pedagógica, mas sim princípios que norteiam o fazer cotidiano. Dentre  eles, uma formação de professores que esteja para além do conteúdo, entrelaçada com a arte e a ciência, pois somente estaremos abertos às novidades do mundo, trazidas pelas crianças, se nossos olhos e ouvidos estiverem sensíveis o suficiente para ver e ouvir para além do que está posto e tivermos procedimento de pesquisa para “ler as 100 linguagens”. Para isso é preciso inteireza e assumirmos a responsabilidade por nossas escolhas.

O que significa ser educador para você? Na abordagem italiana das escolas de infância de Reggio Emília, ser educador significa ser pesquisador das infâncias e suas culturas, ser solidário com as crianças e estar ao lado delas lutando e defendendo os seus direitos.

Nessa perspectiva, um ambiente educativo criado com as crianças e para as crianças precisa de intencionalidade educativa de um adulto competente que seja autoridade. Autoridade não é ter todas as respostas e certezas,pelo contrário, é ser consciente da sua responsabilidade e do compromisso assumido. É ser flexível e estar aberto para incorporar os imprevistos, desvios, dúvidas e incertezas que todo viver proporciona. É compreender que as teorias são provisórias e que o não saber é sempre uma oportunidade de nos movermos em busca de soluções projetando possíveis caminhos a seguir (o que os italianos chamam de “Progettazione” )[1].

[1]
O termo progettazione não tem tradução na língua portuguesa. Segundo FOCCHI podemos entender o termo como processo de investigação e construção da experiência educativa, em que as hipóteses de significado e as condições de desenvolvimento dos contextos de aprendizagem são definidas, recursivamente, em uma perspectiva aberta, flexível e situada.

Para que possamos criar uma harmonia entre os propósitos das crianças e a intencionalidade educativa, criando sentido no fazer cotidiano, precisamos construir documentos que nos ajudem a planejar, refletir e compartilhar o cotidiano para que possamos compreender a complexidade das relações que se dão nas escolas de infância e a força expressa nas manifestações infantis.

Antes de tudo, precisamos aprender a olhar e a se perguntar sobre o nosso próprio fazer, por isso a necessidade de abrir espaços dia a dia para o “saber da experiência”. Porque a experiência não está no âmbito conceitual. Somente quando estivermos atravessados pelos sentidos do corpo, seremos capazes de romper com a lógica da atividade, do FAZER, para a lógica da experiência, do SER .

“As pedagogias participativas desenvolvem uma compreensão específica da imagem de criança como coconstrutora competente, que negocia por meio de processos comunicativos na sua participação na aprendizagem … a documentação não nos revela apenas a aprendizagem das crianças, ela revela a aprendizagem das crianças em um contexto, num contexto pedagógico específico, no âmbito de uma pedagogia específica, o que significa que revela também o ensino.”(OLIVEIRA FORMOSINHO e PASCAL,2019).

A documentação pedagógica abre diálogos com a comunidade não apenas sobre as infâncias e suas linguagens, mas sobre nossas concepções de educação, educador e sociedade e nos coloca a responsabilidade de, enquanto adultos, pensarmos e refletirmos que o cotidiano que promovemos às nossas crianças reflete o nosso desejo de sociedade.

Alguns pontos de vista podem mudar a maneira como percebemos as coisas, a vida, um lugar . A documentação pedagógica como instrumento de negociação de sentido, amplia nossas lentes culturais e nos TRANSborda. Inscreve e nos inscreve no curso da história, faz memória, deixa rastros e nos devolve os sentidos da vida. Isso talvez explique o porque a documentação pedagógica é considerada por tantos uma arma poderosa para romper com os discursos opressivos.