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Concepção de Infância e Imagem de Criança

História das infâncias - A criança do Devir

Seja como observadoras em pesquisa de campo ou professoras regentes, percebemos o impacto das ações dos adultos nas relações com as crianças, pois nossa postura—seja como mediadores, disciplinadores ou parceiros—reproduz ideologias e confronta ou apoia modelos sociais. Este curso propõe uma reflexão sobre como as mudanças nas concepções de infância e nas interações com as crianças têm influenciado a prática docente e a construção de um currículo respeitoso e sensível na Educação Infantil.

Na Europa ao longo dos séculos XVI e XVII o pensamento de Comenius, Rousseau e

Pestalozzi traziam à tona reflexões sobre a educação e o cuidado de crianças em idade

pré-escolar,ainda que assistencialista. Antes disto o historiador Philippe Ariès (1981) destaca

que as crianças eram vistas como pequenos adultos à espera do crescimento, não havia

preocupação com cuidados específicos para infância nos espaços educacionais formais nem

tão pouco nos informais.

No século XIX entretanto Froebel avança na reflexão dos espaços dedicados à educação de

crianças pequenas e surge então na Alemanha os Jardins de Infância como aponta Leite Filho

(1999):

 

Contextualização histórica

Na Europa ao longo dos séculos XVI e XVII o pensamento de Comenius, Rousseau e Pestalozzi traziam à tona reflexões sobre a educação e o cuidado de crianças em idade pré-escolar,ainda que assistencialista. Antes disto o historiador Philippe Ariès (1981) destaca que as crianças eram vistas como pequenos adultos à espera do crescimento, não havia preocupação com cuidados específicos para infância nos espaços educacionais formais nem tão pouco nos informais. No século XIX entretanto Froebel avança na reflexão dos espaços dedicados à educação de crianças pequenas e surge então na Alemanha os Jardins de Infância como aponta Leite Filho (1999):

O pai do Jardim de Infância tinha a convicção de que a chave para o sucesso

pleno do desenvolvimento do homem estava nos primeiros anos de sua

vida.Comparou a criança a uma semente que encerra em si todo o potencial de

vir a ser e que se bem adubada e posta em condições favoráveis desabrocha

numa árvore completa, madura e capaz de dar frutos saudáveis que

perpetuarão sua espécie.

De acordo com o modelo apresentado por Froebel, esses jardineiros que adubavam e cultivavam as “sementes” seriam os profissionais que estariam diretamente com as crianças em movimento de liberdade para expressar suas necessidade e trilhar caminhos individuais de aprendizagem espontânea. O autor trouxe para o cenário da educação coletiva o aspecto social e político e por conta disso enfrentou muitas dificuldades, ainda sim suas ideias foram largamente difundidas e provocaram uma revolução nas teorias de educação da época, conforme afirma Rizzo,(1992) Apud Leite Filho(1999).

No Brasil neste período o modelo Froebeliano dos Jardins eram oferecidos às crianças brancas e com alto poder econômico e já marcavam a desigualdade quanto a qualidade de educação oferecida entre crianças ricas e pobres.Aos ditos “ menores” o atendimento se configurava em medidas assistencialistas que garantiam a sobrevivência e os cuidados básicos e não apresentavam compromisso quanto à transformação dos aspectos educacionais, políticos e sociais postos diante do modelo sócio econômico, como destaca

NUNES,CORSINO, DIDONET:

A cristalização desses dois “modelos” de infância vai resultar, em

meados do século XX, nas expressões que se tornaram paradigmáticas

– criança e menor. A “criança” era a branca, bem nutrida, de sorriso

cativante, filha de família de classe média e alta, cujo futuro poderia

ser previsto como de bem-estar, desenvolvimento e felicidade. O

“menor” era a criança negra, desnutrida,de família pobre ou

desestruturada, altamente vulnerável à doença e candidata a engrossar

a estatística da mortalidade infantil ou, se sobrevivesse, a

marginalizar-se e tornar-se um risco social; ou seja, o filho do

proprietário(colonizador, descendente de europeu, branco) tornou-se

“criança”, enquanto o filho do despossuído (negro, descendente de

escravo, pobre) tornou-se “menor”

Já no final do século XIX e no começo do século XX alguns autores como Freinet, Piaget, Montessori e Dewey apresentam modelos teóricos e didáticos onde a criança é o centro do processo de aprendizagem e mais uma vez exige uma reflexão na postura e na forma de interação com as crianças, com enfoque na psicologia do desenvolvimento os avanços nesta época eram considerados segundos tabelas, fases e etapas ligadas aos marcos estabelecidos pela medicina e psicologia. Tais modelos fortalecem as criança do devir, que “ainda não sabe” , “ainda não falam”, “ainda não andam”, e que portanto precisam de um adulto para compensar lhes compensar as faltas e carências, fortalecem em caráter ideológico a necessidade do controle, mediação e poder do professor/adulto sobre as crianças. Esses modelos educacionais, se projetam nas micro instâncias das salas de aula, de forma que um certo grupo de indivíduos estabelece suas relações de poder, reforçam modelos sociais e econômicos que favorecem grupos de classes, gêneros e raças específicas. No Brasil a escola, solo simbólico de disputas de poder foi, e continua sendo, local privilegiado para disseminação ou rupturas com tais propostas de perpetuação de poder. APPLE (2006) nos permite perceber e nos localizarmos para uma análise do papel da escola no campo macro de uma sociedade em suas políticas :

[…] envolve compreender a atividade social – sendo a educação uma

forma particular dessa atividade – como algo ligado ao grande grupo

de instituições que distribuem recursos, de forma que determinados

grupos e classes têm historicamente sido ajudados, ao passo que

outros têm sido tratados de maneira menos adequada. […] as coisas

recebem significados relacionais, pelas conexões e laços complexos

com o modo pelo qual uma sociedade é organizada e controlada.

(APPLE, 2006, p. 44)

Nos anos 70 os grupos de mulheres e frentes ligadas a organizações civis reforçaram a luta pela expansão da educação infantil de qualidade para todos.No entanto apenas em 1986 essa discussão ganha força e se materializa na organização da Constituinte, definindo novas bases conceituais e jurídicas para esse segmento da Educação.

Em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA estabelece a Criação do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente e o Ministério Público e os outros setores da sociedade são convocados a zelar pelos direitos das crianças. De forma específica para a Educação em 1996 a LDB 9394/96 reforça a concepção da criança como sujeito de direito e marca o início da profissionalização da Educação Infantil e a separação entre assistencialismo e Educação, principalmente para as crianças de zero a três anos.

No Brasil são recentes as discussões e as conquistas na educação infantil fora do campo do assistencialismo e portanto por mais que as discussões sobre a infância e suas definições e especificações e sobre o caráter assistencialista deste segmento da educação já duram algumas décadas em nosso país, as conquistas jurídicas chegaram de fato a partir da Constituição de 1988 que garantiu as crianças o direito de acesso à Creche e a pré escola.

Fazendo uso do texto da Constituição de 1988, no artigo 227, que declara “É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária[..]” fica clara portanto a importância de se promover na escola o desenvolvimento integral das crianças de zero a seis anos com múltiplas possibilidade de linguagens, brincadeiras, expressões e construções que façam sentido para todos os envolvidos no processo de ensino aprendizagem.

Desde então através da militância de profissionais da Educação e das demandas sociais ligadas aos movimentos dos trabalhadores e das mulheres algumas conquistas em relação às concepções de infância já fazem parte de documentos com força de lei como as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil CEB 20/2009, que afirmam:

A criança, centro do planejamento curricular , é sujeito histórico e de direitos

que se desenvolve nas interações, relações e práticas cotidianas a ela

disponibilizadas e por ela estabelecidas com adultos e crianças de diferentes

idades nos grupos e contextos culturais nos quais se insere.

A partir de documento como este, fica exposto de forma clara a concepção das infâncias de forma plural, que abriga em seu seio a multiplicidade de formas de viver essa fase da vida de acordo com a cultura e com as interações que permitem aos pequenos significar e ressignificar o mundo em que vivem.

Disto isso é importante ressaltar que no início dos anos 1990, acontecia nos EUA e na Europa discussões em torno de teorias e reflexões para a construção dos currículos, essa temática também ficou evidente em nossa pátria a partir da criação de documentos que fomentava a iniciativa dos currículos unificados e centralizados, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso em 1997, foi elaborado os PCN´s que esboçaram parâmetros educacionais. Concomitantemente nos países latinos, as agências internacionais como Banco Mundial e Banco Interamericano disseminavam e introduziram documentos que “encorajaram a centralização dos currículos e das avaliações.” (Avellar e Ball)

Esse cenário em torno da matriz curricular ganhou ainda mais força, com o texto do Plano Nacional de Educação e com as incorporações das avaliações de rendimento dos alunos, a iniciativa civil e movimentos de organizações privadas pressionaram para que o Governo Federal fixasse bases únicas para todo território nacional. Em 2014 o plano foi assinado e em meio a disputas e conflitos intensos em todos os ramos da política do país,emerge a necessidade da criação da BNCC.

A BNCC vem sustentar os direitos da criança postos por lei e a visão contemporânea de infância e criança tão dita e debatida na teoria, mas ainda invisibilizada no dia a dia. Quem são as crianças da atualidade?

Criança: Sujeito histórico de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que

vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca e imagina, fantasia, deseja,

aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos

sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura.

Segundo o Artigo 29, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20/12/1996 (Lei no. 9.394), a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, completando a ação da família e da comunidade. Para pensarmos no desenvolvimento integral das crianças, em suas múltiplas potencialidades, faz-se necessário entendermos que os aprendizados acontecem não só nos espaços da escola, mas também em seu entorno, no encontro com a comunidade e a vida cotidiana. “Tudo é potencialmente território educativo e, portanto, sujeito a acolher a intencionalidade pedagógica” (BARROS, 2018, p.29).

A criança, como ser social, tem a seu favor uma espontaneidade singular. Criança é natureza e cultura, é sujeito de direito e se constitui socialmente através das experiências sociais com o outro e com o meio e, os espaços de liberdade e o brincar livre, oferecem a cada criança um mundo mais vasto e plural.