Semear a cultura do ateliê no mundo me transformou como pessoa.
Dizer que o ateliê não é apenas uma prática da escola, mas uma nova forma de se relacionar com a vida, é assumir que aprendemos a enxergar o cotidiano com lentes ampliadas. Descobrimos que a felicidade se revela nas “coisinhas à toa” de todos os dias — e esse olhar nos impulsiona a ir além.
Pesquisas recentes têm demonstrado que um dos segredos da longevidade está na qualidade das relações que construímos ao longo da vida (Waldinger & Schulz, The Harvard Study of Adult Development, 2023). Eu não tenho dúvidas disso. É por isso que se torna ainda mais urgente e necessário cultivar a cultura do ateliê no chão das escolas brasileiras: porque o ateliê que defendemos não depende de materiais caros nem de espaços sofisticados, mas da potência dos encontros e da qualidade das relações. Olha que poder!
Ao revisitar meus mais de 35 anos de chão de escola, percebo que foi exatamente isso que me arrebatou quando ouvi falar pela primeira vez da filosofia de Reggio Emília. Sempre fui movida pela crença de que os encontros, a troca, a beleza do bem viver e as memórias que criamos juntos são os verdadeiros tesouros do cotidiano.
Sou grata aos mestres que me formaram — não apenas pelos saberes que carregavam,
mas pela delicadeza de como construíam relações e memórias. Eu desejava ser não
apenas essa professora para as minhas crianças, mas essa pessoa para meus amigos,
minhas filhas, meus colegas, para todos que cruzassem meu caminho.
Recordo uma crônica que li anos atrás na Revista Nova Escola, sobre Dona Licinha, a
“professora de encantamento”, que encantava simplesmente por existir em encantamento.
Era isso que eu queria ser, e ainda quero.
Trouxe sentido e prática às minhas relações — inclusive comigo mesma, quando aprendi a
escutar o mundo e a mim com mais profundidade. Hoje, ao buscar um livro na estante,
encontro memórias vivas: o livro da caatinga que veio das experiências no sertão; a
pequena casinha de argila da Colômbia; o instrumento musical do Espírito Santo; os
ladrilhos pintados de São Luís; o bibelô de Brasília; as cartas de bem viver de São
Francisco do Sul… Cada objeto carrega histórias, afetos, sensações, pessoas e saberes
que transbordam em mim.
Mas é preciso ser honesta: não é fácil. Escolher viver o cotidiano com a intensidade e a
delicadeza do ateliê é uma decisão diária. É preciso coragem para sustentar esse olhar,
especialmente nos dias mais desafiadores. E por isso, precisamos de uma rede de escuta,
de uma comunidade que nos sustente e caminhe conosco — porque juntos somos mais.
O ateliê se constrói na relação: nos valores que são negociados, na potência do encontro,
no gesto silencioso, no detalhe do olhar. Incorporar essa nova forma de habitar a vida é o
que nos permite oferecer, no cotidiano da escola da infância, bons encontros e boas
memórias. No fim das contas, é isso que faz a vida valer a pena.
o conceito de ateliê, muitos já ouviram falar. Mas viver o ateliê,
sustentá-lo no gesto, no não-dito, na presença, na escuta — isso se aprende na
experiência. E é exatamente isso que busco semear ao lado dos educadores: não apenas
transmitir uma prática, mas encarnar uma forma de ser.
Ser atelierista é mais do que conduzir atividades artísticas: é cultivar um estado de
encantamento com o mundo. É um caminho que não oferece todas as respostas prontas —
mas justamente por isso nos liberta do peso de ter que saber tudo sozinhos.
Deixo aqui um convite: começar a trilhar esse caminho é leve, fluido e transformador.
Porque no fundo, ser atelierista é permitir-se transBORDAR. A cada encontro, a cada
detalhe, a cada relação.
O ateliê não é um lugar: é um jeito de viver. E você, já se permitiu experimentar?