Na forma como o educador dispõe os objetos, organiza os materiais, escolhe as imagens e as cores.
Esse gesto não é apenas técnico — é ético, estético e político. É uma tomada de posição diante do mundo.
O Educador como Curador do Mundo
Durante o encontro com os educadores, falamos da estética do espaço como lugar de
pertencimento.
O educador, nesse sentido, é curador das belezas do mundo.
Seu olhar não é neutro — ele revela concepções, valores e sonhos.
Ao organizar o ambiente, o professor também se organiza por dentro: escolhe o que deseja
cultivar, o que deseja comunicar e o que deseja oferecer às infâncias.
Mas essa curadoria não pode ser cópia.
Inspirar-se em Reggio Emilia é um ponto de partida, não de chegada.
Reggio nos ensina sobre o valor da escuta, da documentação e da estética da
aprendizagem.
Mas cabe a nós, no Brasil, construir uma curadoria autoral, enraizada em nossa cultura, em
nossas ancestralidades, nas histórias e memórias do território em que habitamos.
Sem isso, corremos o risco de perpetuar novas formas de colonização — importando
práticas e linguagens que não dialogam com nossa realidade.
Hannah Arendt nos recorda que “educar é introduzir o novo no mundo” — e para isso,
precisamos conhecer o mundo em que estamos.
Conhecer nossas histórias é o que nos permite projetar futuros.
E como nos ensina Mikhail Bakhtin, só é possível compreender o outro — e a nós mesmos
— a partir de uma exotopia, um olhar de fora, um excedente de visão que nos permite
enxergar o que o olhar imerso não vê.
Essa distância estética é o que torna a documentação pedagógica uma ferramenta tão
potente: ela nos permite ver o que fazemos e, ao ver, transformar.
A documentação pedagógica é, assim, uma estratégia de autoconhecimento coletivo.
Ela revela não apenas o que as crianças pensam, mas também o que os adultos acreditam.
Mostra nossas concepções, nossos atravessamentos, nossos enraizamentos — e, ao
mesmo tempo, nos provoca a repensar caminhos, a construir novas perguntas, a sustentar
escolhas mais conscientes.
Decolonizar a educação é reconhecer que cada escola é um território único, tecido pelas
pessoas que o habitam.
Não há modelo a ser copiado, mas caminhos a serem inventados.
É entender que a estética não está apenas na beleza visível, mas na coerência entre o que
se diz e o que se vive, entre o espaço e o gesto, entre o sonho e o cotidiano.
Quando o educador se reconhece como sujeito histórico, ele começa a curar as feridas da
colonização que ainda atravessam nossas práticas.
Passa a ver valor nas pequenas histórias, nas culturas locais, nas linguagens das
comunidades, na sabedoria dos povos.
E compreende que ver beleza no diverso é também um ato político.
Que subjetividade não é individualismo — é direito de ser reconhecido em sua
singularidade, dentro de uma coletividade que aprende a escutar e a dialogar.
Autonomia e Bem Comum
A liberdade, como lembra Arendt, não é fazer o que se quer, mas decidir com
responsabilidade.
Assumir a autoria do próprio gesto.
A autonomia nasce dessa consciência: da capacidade de tomar decisões em prol de um
bem comum, compreendendo que a escola — pública ou privada — é um espaço de
comunidade, não de consumo.
Um espaço que existe para garantir os direitos das crianças e promover a convivência
democrática.
Por isso, pensar a estética do espaço é também pensar o projeto ético e político da escola.
É perguntar-se: o que move o meu ser educador?
Quais eram meus sonhos quando criança?
O que me faz continuar acreditando na educação como projeto de vida?
A Cultura do Ateliê como Prática de Liberdade
O ateliê — seja na sala, no pátio ou sob uma árvore — é o território onde esses sonhos se
reencontram com a vida.
É onde o corpo desperta sentidos, onde o olhar se educa, onde o pensamento se move em
rede.
É onde se pratica o pensamento divergente, o exercício de criar mundos possíveis.
A cultura do ateliê nos convida a esse reencontro:
com o corpo, com a terra, com o outro, com a beleza, com a nossa própria história.
Ela é um ato de resistência e de amor, um modo de existir que transforma o cotidiano em
gesto poético.
E é nesse gesto — autoral, enraizado, coletivo — que começa a verdadeira decolonização
da educação.