Muito se fala, hoje, sobre a importância de oferecer tempo e espaço para que as crianças vivam suas infâncias com inteireza.
Esse é um convite que carrega em si a delicadeza do que chamamos de Brincar Livre. Um termo que, por vezes, me inquieta, porque acredito que todo brincar é, por essência, livre. As crianças não brincam de brincar: elas brincam de verdade.
Mas o que significa, afinal, esse livre tão usado e tantas vezes mal compreendido?
Segundo a abordagem Pikler, um de seus princípios mais potentes é o de mover-se em
liberdade como caminho para a construção de uma boa imagem de si. E é importante
compreender: movimento livre não é sinônimo de deixar a criança fazer qualquer coisa em
qualquer lugar.
A liberdade de movimento não é abandono. Não significa deixar a criança sozinha para que
se vire. Significa, antes, não colocá-la em uma posição que ela ainda não pode sustentar
por si mesma. É reconhecer que cada gesto nasce de um tempo interno, e que é nesse
tempo que se dá o encontro com o mundo.
Para compreender esse pensamento, é preciso voltar à história de Emmi Pikler.
Quando acompanhava o marido em Trieste, ela começou a observar crianças na beira da
praia. Ali, percebeu que as babás faziam tudo pelas crianças: lavavam seus pés, as
colocavam na água, enchiam baldes, cavavam buracos. Ainda que cheios de boas
intenções, os adultos antecipavam tudo. Não havia espaço para o movimento próprio da
criança, nem para a curiosidade que nasce do corpo em diálogo com o ambiente. Foi nesse
momento que Pikler se perguntou: o que aconteceria se déssemos às crianças a
oportunidade de experimentar por si mesmas?
Ao mesmo tempo, ela começou a refletir: até mesmo a pressa dos adultos, essa ânsia de
encurtar processos, pode se tornar uma forma de violência sutil.
Quando falamos em violência, logo pensamos em seus extremos. Mas Pikler nos convida a
enxergar que também existe uma violência cotidiana, quase invisível: a pressa que rouba o
tempo da infância, o gesto que substitui a experiência da criança pelo fazer do adulto.
Entender isso é essencial para repensarmos a autonomia. Todos os bebês nascem com
uma capacidade nata de se mover, de buscar, de experimentar. Não há movimento que
precise ser ensinado. O que eles precisam é de boas oportunidades de encontro com o
mundo. É nesse processo que constroem autonomia e uma boa imagem de si.
Parece simples. Parece óbvio. Mas é justamente aí que moram os grandes equívocos:
quando confundimos liberdade com desamparo, cuidado com antecipação.
O que fazer, então? Observar.
Observar é um ato ético, estético e político. É um verbo ativo que nos convida a:
● Observar para conhecer.
● Observar para se interrogar.
● Observar para negociar sentidos.
● Observar para descrever.
● Observar para tomar decisões.
Nesses dias de estudos em Budapeste, na Casa Pikler reafirmo que o já intuía: o cerne de uma pedagogia verdadeiramente participativas está pautada na qualidade da observação sendo portanto a documentação pedagógica a ferramenta indispensável para formar professores capazes de reconhecer o movimento livre como princípio de uma pedagogia democrática.