A pedagogia da escuta não acontece no vazio. Ela só é possível em um contexto de escuta: um ambiente onde exista acolhimento, segurança e confiança.
Se queremos promover uma pedagogia da escuta dentro da escola, precisamos,
antes, viver esse contexto de escuta em nossas próprias relações.
Porque só em um espaço assim a escuta se torna genuína, capaz de transformar
encontros em diálogo e convivência.
Uma das coisas que sempre me inquietou na vida é a incoerência entre o que falamos e o que fazemos. Sempre acreditei que a educação precisa ser pautada pela coerência, porque ela é muito mais do que práticas que acontecem dentro da escola: é uma forma de se relacionar com o mundo e com a vida.
Encontrei, na inspiração das escolas de Reggio Emilia, essa ideia de uma pedagogia da escuta, que também pode ser compreendida como uma pedagogia da cura — cura no sentido de cuidado. É a pedagogia que se revela na escolha de um gesto, no modo como olhamos, naquilo que praticamos de verdade, estreitando pontes entre o pensar e o fazer, entre a teoria e a prática. .
Essa concepção não nasceu apenas em Reggio Emilia, nem se limita a Loris Malaguzzi. Ela dialoga profundamente com Paulo Freire, nosso mestre brasileiro, que em Pedagogia da Autonomia já nos lembrava da importância da escuta como ato de amor. Malaguzzi, por sua vez, afirmava que a escuta tira o sujeito do anonimato — e ninguém suporta viver anônimo
Quando escutamos, de fato, conseguimos olhar o mundo pelas lentes delas.
Reconhecemos seu valor, entendemos que o que pensam tem sentido e atualizamos nosso
próprio olhar, já tantas vezes viciado pela pressa e pelo cansaço.
As crianças, ao contrário,
habitam o mundo com curiosidade e descobertas. Talvez sejam justamente elas que nos
indiquem caminhos que ainda não enxergamos.
Muito se fala sobre a importância da escuta nas pedagogias participativas. Porém, ao
mesmo tempo em que se proclama ser uma prática inovadora, vemos ainda a arrogância de
quem acredita existir apenas um único jeito certo de fazer. E, do lugar da diferença,
costuma-se emitir juízos de valor.
Mas o que a pedagogia da escuta mais nos ensina é exatamente o contrário: suspender o
julgamento. Acolher o que é diferente sem hierarquizar como melhor ou pior. Não é fácil. No
mundo digital, a tendência à superficialidade torna a escuta cada vez mais rara. Precisamos
resgatar uma escuta que seja genuína, que abra espaço para diálogo e encontro, e não
apenas para a confirmação de quem tem razão.
Escola como laboratório de pesquisa e beleza
Se desejamos uma escola coerente, ela precisa se tornar um laboratório vivo de pesquisa e
investigação, que garanta o direito à beleza, ao bem viver e à coletividade. Mas não basta
falar sobre isso: as crianças aprendem pelo exemplo. Elas observam como nos
relacionamos, como lidamos com a diferença, como habitamos o tempo e o espaço.
É nesse ponto que a formação de professores se torna urgente: mais do que conteúdos,
precisamos criar espaços para que educadores exercitem a própria escuta. Porque, antes
de tudo, é preciso aprender a escutar a si mesmo — reconhecer sentimentos, limitações,
fragilidades e forças.
Errar faz parte. Ser inacabado é parte da beleza humana. Mas é preciso tempo para refletir sobre as ações, tempo para escolher com consciência, tempo para praticar relações inteiras e abertas com as crianças.
Escuta como prática de futuro
A pedagogia da escuta é também uma pedagogia da tolerância e da convivência. É ela que
nos convida a abrir espaço para o outro, para o coletivo, para a pluralidade de formas de
habitar o mundo.
E, como nos lembra Paulo Freire, é no espaço da escuta que a educação ganha vida.
É nesse lugar que as pessoas se sentem seguras para dizer o que pensam e o que sentem,
sem o medo constante do julgamento.
Mas essa escuta só é possível quando praticamos, antes, a escuta interna: aprender a
reconhecer nossos próprios limites, emoções e fragilidades. A transformação começa
quando respeitamos a subjetividade do outro sem esquecer a nossa humanidade.
A escuta precisa ser sempre o ponto de partida, não o ponto de chegada.
Conversar de verdade exige aprender, antes de tudo, a ouvir — ouvir no sentido de se
interessar, de querer saber.
Escutar é acolher.
Escutar é respeitar.
Escutar é transformar.
Ao praticarmos a escuta em nossas relações cotidianas, estamos oferecendo às crianças
uma chance maior de crescer em um mundo mais sensível, justo e diverso.
Porque, afinal, educar é sempre um gesto de coerência entre o que acreditamos, o que
falamos e o que fazemos.
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