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O maravilhamento da aprendizagem e a construção do conhecimento – Howard Gardner

*“The Wonder of Learning and the construction of knowledge”, de Howard Gardner, Universidade de Harvard. Tradução por Giovanna Mello.

**Todas as marcações no texto foram mantidas conforme indicadas pelo autor na publicação original.

O maravilhamento da aprendizagem e a construção do conhecimento – Howard Gardner

*“The Wonder of Learning and the construction of knowledge”, de Howard Gardner, Universidade de Harvard. Tradução por Giovanna Mello.

**Todas as marcações no texto foram mantidas conforme indicadas pelo autor na publicação original.

Embora possa surpreender aqueles que lêem essas palavras, a frase “a construção do conhecimento” não faz sentido para a maioria das pessoas. Nos anos passados, e até mesmo hoje, a maioria das pessoas possuem visões diferentes sobre o que o conhecimento é e como ele é adquirido. Ao contrário, como Sócrates, eles acreditam que nascemos com todo o saber dentro de nós, e que o trabalho dos educadores é simplesmente o de preparar-nos para que possamos rememorar nosso conhecimento inato. Ou como o filósofo John Locke, ou o psicólogo B. F. Skinner, pensam que nossas mentes são inicialmente tábulas rasas, nas quais o mundo “imprime” a si mesmo: nós engolimos o conhecimento que nos é dado, e recompensas e punições moldam o quão bem regurgitamos aquilo que nos é dito. Como o professor Gradgrind no romance Tempos Difíceis de Charles Dicken, a maioria das pessoas acredita que o professor seja o receptáculo do conhecimento. O professor entrega “os fatos” aos estudantes que passivamente os recebem; o professor garante que os estudantes memorizem os fatos e possam repeti-los da maneira mais fiel possível. Na verdade, a ideia de que o conhecimento é construído, de que deve ser construído do zero por cada indivíduo, é uma ideia radical. Já era radical no século XVIII, quando filósofos como Immanuel Kant e Jean-Jacques Rousseau a sugeriram; foi radical no século XX quando o psicólogo Jean Piaget elaborou toda sua teoria da cognição na construção ativa do conhecimento. Bebês e crianças agem diante do mundo para sabê-lo. Nosso conhecimento deriva de ações, de ações atrás de ações e, em última instância, de operações mentais internas, que são ações que foram internalizadas. E a ideia se manteve radical quando pedagogos como John 

Dewey e Loris Malaguzzi fizeram da construção de conhecimento pela criança um ponto central de sua filosofia educacional.

Ainda assim, quando a crítica questão “De onde vêm as ideias inovadoras?” é posta, esse crucial insight epistemológico ganha tração. Isso ajuda a explicar o crescimento das teorias científicas: Isaac Newton certamente não nasceu sabendo as leis da física, assim como Charles Darwin não possuía conhecimento inato da teoria da evolução. Nem poderiam eles ter simplesmente adquirido essas ideias ao imitar os outros, já que eram ideias novas. Não seríamos capazes de ter novas ideias, nem de mudar nossas teorias sobre o mundo, a menos que fôssemos capazes de construir conhecimento, e continuar, pelo tempo de duração de nossa motivação para tal, reconstruindo-o na base de nossas experiências e na luz de outros novos pensamentos, objetos e experiências. E, igualmente, isso explica um dos intrigantes mistérios da infância. As crianças não poderiam espontaneamente gerar seus charmosos equívocos sobre os modos do mundo tanto se nascessem com o conhecimento quanto se apenas imitassem o conhecimento adulto.

Em luz dessas considerações, a ideia de que construímos conhecimentos é entusiasmante. Ela afirma os poderes que todos nós temos enquanto seres humanos. Ela afirma que somos capazes de criar coisas novas e alcançar novos entendimentos. E ela sugere as afinidades entre a criança, o artista, o inventor, o cientista, o explorador. É dificilmente uma surpresa que indivíduos que antes possuíam uma visão passiva do aprendizado logo se convertam ao compreenderem uma visão “construtivista”. E isso explica porque é difícil que qualquer pessoa rejeite a visão construtivista, optando por retornar às ideias de conhecimento inato, aprendizagem passiva, ou simples espelhamento da natureza.

Mas se as ideias construtivistas são empolgantes, e se elas estão basicamente corretas (como eu acredito que elas estejam), então devemos confrontar a questão do porquê de elas ainda representarem uma distintiva e minoritária visão de mundo. Eu sugiro ao menos três razões: 1. A ideia de que o conhecimento é transmitido por pessoas maiores, mais velhas e mais inteligentes é uma suposição padrão por todo o mundo; é uma “ingênua teoria popular” do mundo; 2. Nossa linguagem sobre aprendizado basicamente abraça uma visão transmissionista, ao invés de uma construtivista (“Ela me transmitiu uma ideia e eu a alcancei”); 3. As instituições que estão centralmente preocupadas com o controle, a maior parte dos sistemas educacionais ficam mais confortáveis em conceber o conhecimento como didático, ao invés de construtivo ou exploratório. Às vezes é dito que os dois lugares onde as pessoas têm a menor agência e são mais controladas são as prisões e as escolas.

Contudo, há esperança de que, num futuro não tão distante, as visões construtivistas possam vir à tona. O entusiasmo que rodeia as abordagens educacionais, como aquelas empregadas nas pré-escolas de Reggio Emilia, sugere que mais pessoas têm o potencial de abraçar ideias construtivistas. E a emergência dos computadores pessoais, e especialmente da internet 2.0, tem dado a muitas pessoas a experiência direta da construção do conhecimento por elas próprias – ou com a ajuda de pares – ao invés de serem passivamente alimentadas com conhecimento.

Eu suspeito que, mais cedo do que tarde, a sabedoria recebida sobre aprendizagem vai passar a ser considerada ultrapassada, se não anacrônica. E as muitas maravilhas da aprendizagem – as quais todos nós já experienciamos intuitivamente – serão entendidas explicitamente, assim como os processos através dos quais o aprendizado se dá não serão mais um segredo restrito àqueles que os estudaram mais profundamente.

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