Paredes como segunda pele: o que elas comunicam sobre a escola?

Como vemos a infância.

Durante os vinte anos de pesquisa nas escolas de Reggio Emilia, aprendi muitas coisas que me transformaram como educadora.

Uma delas, talvez das mais marcantes, é a ideia de que as paredes da escola são como uma segunda pele. E o que isso significa?

Significa que elas revelam quem somos, o que acreditamos e como vemos a infância.

Como vemos a infância.

Na pedagogia participativa, as paredes não são neutras — elas comunicam, convidam, acolhem e provocam. Exercem uma função estética, política e formativa. Estão ali para conectar todos os atores sociais da escola: crianças, educadores, famílias e comunidade. São superfícies vivas que documentam os processos e marcam os tempos da infância.

Diferente da ideia tradicional de “mural”, onde o que se expõe é pensado de forma decorativa ou ilustrativa, as paredes como segunda pele não se restringem à sala de referência. Elas atravessam toda a escola: entradas, corredores, ateliês, refeitórios e quintais também carregam mensagens, vozes e intenções.

Para que as paredes realmente comuniquem os acontecimentos do cotidiano escolar, é preciso respeitar o protagonismo das crianças e deixar que as experiências falem por si. Isso exige cuidado, escuta, curadoria e intenção.

A neutralidade aqui não é ausência, mas espaço para que as vozes infantis apareçam com nitidez. É por isso que optamos por evitar o excesso de cores, personagens prontos, imagens estereotipadas e sobrecarga visual — tudo isso pode gerar ruído e apagar o que realmente importa: a vida que acontece na escola.

Muitos educadores me perguntam:

O que colocar nas paredes? Em que altura? Como organizar?

Um ensinamento precioso que recebi dos italianos foi pensar as paredes em camadas:

• Camada inferior: na altura das crianças, é o espaço para negociar sentidos com elas, construindo juntas as narrativas do dia a dia. Fotografias, falas, desenhos, registros espontâneos.

• Camada média: traz as trilhas de pesquisa, os projetos em andamento, a documentação viva do pensamento infantil em construção.

• Camada superior: expressa o tempo da infância e os valores que sustentamos enquanto escola. Aqui podemos encontrar registros reflexivos dos educadores, estudos, conceitos que embasam as práticas.



Essa organização também vale para os espaços comuns. Entradas, pátios, corredores e jardins podem se tornar lugares de diálogo com a comunidade, com a arte, com a cultura local. Obras de artistas da região, objetos simbólicos, imagens da vida ao redor da escola: tudo isso amplia as lentes culturais de crianças e adultos.

Espaço estético e o direito à beleza

O arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa, em seu livro Os Olhos da Pele, nos convida a perceber que a arquitetura e os espaços que habitamos tocam profundamente nossos sentidos, afetos e formas de estar no mundo. Segundo ele, os ambientes não apenas nos cercam — nos constituem. Através da materialidade, da luz, das texturas e sons, os espaços educam.

Essa visão encontra eco na pedagogia do ateliê, que entende o espaço como um educador silencioso, capaz de inspirar pensamentos, provocar investigações e sustentar aprendizagens.

Por isso, falar de paredes como segunda pele é também falar de direito à beleza — não como luxo ou enfeite, mas como direito formativo. A beleza, quando cultivada no cotidiano escolar, atua como impulsionadora de sonhos e desejo de aprender. É uma forma de cuidado com o outro e com o mundo, um convite permanente à presença, à sensibilidade e à criação.

Uma proposta de pausa ativa

Que tal, ao entrar na escola hoje, observar com atenção o que as paredes estão comunicando?

O que elas dizem sobre as crianças?

O que elas contam sobre a prática pedagógica?

O que revelam sobre o território onde a escola está inserida?

As paredes podem ser espelho, janela ou muro. Que escolha estamos fazendo?

No próximo post, vamos compartilhar sugestões práticas para transformar as paredes da escola em narradoras do cotidiano e promotoras de cultura.

Enquanto isso, te convido a fazer uma foto da parede mais significativa da sua escola e compartilhar nas redes com a hashtag:

#ParedesQueFalam #ConversaseVivencias Marque o @conversasevivencias — queremos ver o que a sua escola tem a dizer.