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Quem escuta os educadores?

“Toda fala é uma demanda. Toda demanda uma petição de amor.”

Lacan (Escritos, p. 35)

Quem escuta os educadores?

“Toda fala é uma demanda. Toda demanda uma petição de amor.”

Lacan (Escritos, p. 35)

Nos últimos tempos tenho observado algumas escolas falarem sobre a importância de escutar as crianças em prol de uma pedagogia democrática, especialmente nas formações de professores. Sabemos que escutar está para além de ouvir, mas pouco refletirmos sobre os aspectos que estão intrinsecamente atrelados à prática da escuta. Talvez por isso o discurso esteja tão dissociado de um fazer cotidiano.

A primeira vez que ouvi falar de uma “pedagogia da escuta” foi nos estudos sobre a abordagem pedagógica de Reggio Emília, Itália, mas só compreendi de fato o seu significado quando em 2015 tive a oportunidade de viver pela primeira vez o cotidiano das escolas italianas. De lá para cá, a cada ano vivido e cada retorno a estes espaços, percebia novas formas de pensar a pedagogia da escuta. Divido com vocês algumas “teorias moles”, como dizia Loris Malaguzzi; teorias provisórias, impulsionadas por inquietações e questionamentos.

O que consideramos escuta? Como nos relacionamos com os sons e com o silêncio? No que consiste esse silêncio? Como nos relacionamos com os sentidos? Escutar se limita apenas ao ouvido? O que o sentido da audição nos convoca e nos provoca? Escutamos a nós mesmos? Somos escutados? É possível ensinarmos a escutar? Qual a relação entre falar e escutar dentro de uma perspectiva de escuta como presença? O que consideramos presença? Existe relação entre escuta, presença, ritmo, rito e cultura?

No livro Antropologia dos Sentidos, Le Breton argumenta que as percepções sensoriais dependem de uma orientação cultural e que a presença de sons não é garantia de escuta, mesmo que, num sentido estritamente fisiológico, estes sejam audíveis ao homem. Para o autor a percepção dos sons está diretamente relacionada a uma significação cultural ou a um motivo de alerta. Ao mesmo tempo ele nos convida a pensar que, diferente dos outros sentidos, a audição nos invade sem pedir licença e não temos controle nenhum sobre isso. “Os ouvidos sempre se abrem ao mundo não respeitando nem porta nem clausura alguma”.

Não controlamos os sons que nos rodeiam, nem a intensidade e permanência destes no tempo e no espaço. O som nos coloca diretamente em contato com a falta de controle e com a fugacidade da vida. Nos escapa, inquieta, desloca, ritmiza, sem muitas vezes nos darmos conta da sua presença. Se ouve tudo e não se escuta quase nada.

Escuta é presença e a presença nos convida a pausa, ao silèncio, a lidar com o imprevisível. Silêncio esse que é corpo, gesto, olhar, observação, afeto. Silèncio como espaço no qual o som se presentifica. Escutar implica silenciar o ego, abster-se da fala, se colocar no lugar de observador, para então ouvir o outro e o mundo tal como são.

“A audição é um sentido eminentemente social. (…) a voz é um acompanhamento inesgotável da existência”. É nesse sentido que Breton nos convida a pensar na tatilidade do som, utilizando como exemplo a vida intra uterina do bebê, que não somente ouve as vozes próximas ao e do corpo da mãe, como as sente no reverberar das ondas de água em sua pele. A fala da mãe é como uma primeira orientação no mundo, e um primeiro contato com sua dimensão afetiva, simbólica e social.

Som, ritmo, movimento, cultura. Podemos assim pensar a palavra como geradora de sentido e aliança. Ao falarmos com o outro entramos na dimensão afetiva da existência. “Se o outro não é valorizado, sua linguagem é um ruído”, afirma Breton. Escutar o outro seria então um gesto de amor?

Tudo é som, corpo e movimento. Cada qual com seu ritmo, cada qual com sua identidade. Não podemos falar de escuta sem antes valorizarmos a diversidade que tece nossa cultura, a natureza que habitamos e somos, a comunidade, nossas múltiplas vozes e formas. Enquanto a linguagem não for reconhecida enquanto profundo veículo de afeto, não poderá produzir mais que um ruído incômodo ou trivial, e dificilmente seremos capazes de ouvir. Para quebrar esse paradigma, portanto, há de se ter coragem. Há de se partir do amor.

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