Suspender o Tempo: Arte, Cidade e Escola como Espaços de Escuta e Criação

“Meu quintal é maior do que o mundo.”
— Manoel de Barros

Visitar o Bosque do Pão de Açúcar, onde pulsa o Projeto Maravilha com obras de Carlos Vergara, foi mais do que uma imersão na arte.

Foi um convite a suspender o tempo — esse tempo que nos engole com suas urgências — e reencontrar o que, de fato, importa. Em meio à vastidão da paisagem e à potência dos mitos que se entrelaçam àquele território, foi possível silenciar o ruído do mundo para escutar as camadas de sentido que habitam o invisível.

“Meu quintal é maior do que o mundo.”
— Manoel de Barros

A experiência estética proposta por Vergara, ao integrar natureza, arte contemporânea e tecnologia, reconecta o olhar ao encantamento. Um encantamento que, nas palavras de Paulo Freire, nos lembra que nós somos a cidade e que a cidade somos nós.

Olhar o Rio de Janeiro com distância, como propõe Bakhtin com seu conceito de “exotopia”, é um exercício de deslocamento sensível e político. Nos ajuda a enxergar o que muitas vezes naturalizamos: a cidade como palco da desigualdade ou como cenário meramente turístico. Mas ela é mais. Ela é texto. É corpo. É território simbólico.

E nesse texto urbano que nos atravessa, quais histórias decidimos contar? Quais memórias escolhemos cultivar em nossas escolas? O cotidiano que promovemos às crianças revela o nosso desejo (ou a ausência dele) de sociedade.

A escola como território estético

Quando falamos da escola como lugar de formação humana, precisamos perguntar: qual é a estética que sustenta esse cotidiano? Estética aqui não como ornamento, mas como forma de perceber, sentir e se relacionar com o mundo.

A escola é um território político e sensível. Ela não educa apenas com seus conteúdos, mas com seus gestos, seus ritmos, seus espaços e suas ausências. E, por isso, pensar uma escola de ritos e ritmos, que acolha o tempo da infância e promova experiências que encantem os sentidos, é urgente.

Uma escola que compreenda a pedagogia relacional como eixo — onde as relações entre crianças, educadores, espaços, materiais e linguagens sejam nutridas com escuta e presença. Onde cada gesto, cada objeto, cada escolha curricular, revele uma intenção de mundo.

Cidade como extensão da escola

Nesse cenário, a cidade também é escola. Uma cidade educadora não apenas oferece acesso a museus, parques e centros culturais, mas reconhece que cada esquina, cada árvore, cada muro pintado pode ser um dispositivo pedagógico. Quando caminhamos com as crianças pelas ruas, estamos construindo pertencimento, memória e cidadania.

Por isso, a articulação entre educação, arte, natureza e território precisa deixar de ser exceção e passar a ser prática comum. Não há separação entre corpo e ambiente. Somos corpo-natureza. E toda pedagogia que ignora essa dimensão, adoece.

Ritualizar o cotidiano: sustentar a cultura da infância

A infância precisa de rituais. De tempos e espaços que sustentem suas potências criativas, imaginativas e sensoriais. Como nos lembra Loris Malaguzzi, as cem linguagens das crianças não são apenas modos de se expressar, mas formas de ser e estar no mundo. Sustentar essas linguagens exige que a escola crie um ecossistema de escuta — e não de adestramento.

Quando ritualizamos o cotidiano com beleza, presença e intenção, devolvemos à infância o seu direito de ser tempo e não pressa. De ser corpo e não apenas mente. De ser relação, não apenas desempenho.

Arte, natureza e digital: potências integradas

A experiência no Projeto Maravilha me fez refletir sobre as tecnologias como aliadas da sensibilidade, e não como inimigas da presença. O digital, quando usado com ética estética, pode ampliar o poético, e não substituí-lo. Pode ser lente, ponte, registro, dispositivo de escuta. Pode, inclusive, ajudar-nos a criar novos cenários de aprendizagem, onde o sensível e o tecnológico se entrelaçam na construção de mundos possíveis.

Escolher o mundo que queremos habitar

Cada decisão pedagógica carrega um projeto de mundo. E a pergunta que nos atravessa é: que mundo queremos construir com as crianças? Escolher viver uma pedagogia da escuta, da presença e da beleza é também um gesto de resistência. É afirmar que outro cotidiano é possível — um cotidiano que seja fértil, ritualizado, poético. Um cotidiano que, como dizia Manoel de Barros, faça do quintal um mundo. Um cotidiano que nos permita, todos os dias, começar o mundo de novo — juntos.